quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Pegada escatológica I


(Algures por Coimbra)
 
Nada há de pior do que viver num tempo fora do tempo em que se vive.

Por outro lado nada há de melhor do que viver para sempre em todo o tempo que fica… o restante. Deixando, se possível, um rasto de luz (como diria alguém a quem devo a uma parte significativa da minha formação espiritual).

Fora das lides artísticas, continuo a acreditar que o que vamos deixando atrás de nós é a nossa herança a memória de nós do que fomos e capazes de ser e construir, a nossa pegada escatológica.

Talvez pelas primeiras vezes notei, nestas férias, a curiosidade regular e constante das minhas filhas em ler algumas das coisas que o pai foi publicando nas redes sociais ao longo dos últimos anos (o que as fez percorrer algumas das notas que fui partilhando “urbi et orbi” ao longo dos tempos: textos, fotos e imagens… Nada de muito profissional (Mas até o próprio, eu;  já tinha notado que, de tempos a tempos, ou de férias em férias gosta de criar algum dinamismo temático e publicar algumas coisas mais leves, outras mais pesadas, alguns recados cirúrgicos ou simples reflexões dispersas no tempo e nos tempos (sim há datas que são marcantes que merecem o seu apontamento mesmo que não se refira o dia ou o acontecimento fundador)).

Um pouco por tudo isso que fica atrás escrito, continuo a achar uma certa piada aos que ousam não deixar rasto digital, a esconder as caras das crianças nas fotos, a não publicar nada que um dia, em suposto futuro, possa ser usado contra o próprio e sabe-se lá mais quem. (Como se um passeio na rua, um pagamento com cartão, a entrada em qualquer loja, uma busca na internet, ou a simples adesão a um cartão de fidelidade não registassem mais de nós do que nós possamos imaginar).

No mundo empresarial temos o RGPD, na vida social não se sabe bem o quê mas não vá, um dia, a esquizofrenia americana tomar conta de nós e um simples “bom dia”, partilhado na rua, transformado em suposta agressão verbal, prima da direita da maior das violações da privacidade…

Há que voltar aos tempos de não ter medo de deixar atrás de nós algo que nos perpetue e nos dignifique. A nós e aos nossos!

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